De Olhos Bem Fechados: aparências informam busca obsessiva por identidade além-performática em último e mais maduro longa de Stanley Kubrick sobre os (brancos) masculinismos
Título original: Eyes Wide Shut
Países de origem: Estados Unidos e Reino Unido (1999)
Duração: 139 minutos
Gênero: mistério; thriller
Direção: Stanley Kubrick
Roteiro: Frederic Raphael e Stanley Kubrick
História original: Arthur Schnitzler (1926)
Produção: Stanley Kubrick
Fotografia: Larry Smith
Montagem: Nigel Galt
Direção de arte: Kevin Phipps
Trilha sonora: Jocelyn Pook
Distribuição: Warner Bros.
Elenco: Tom Cruise, Nicole Kidman, Sydney Pollack, Todd Field
A unidade da branca família pequeno-burguesa é desconstruída à raiz por Stanley Kubrick (1928–1999) neste De Olhos Bem Fechados (título original: Eyes Wide Shut) (Warner Bros., 1999). No grande salão de desfiles das vaidades aristocratas daquela previsível classe média nova-iorquina, uma modelar Alice Harford (Nicole Kidman) aproxima-se do transe ao giro em 360° da dança social por que a fuga da realidade reprodutiva familiar cotidiana impõe-se. Na mesma encenação, o companheiro, o prestigiado médico William “Bill” Harford (Tom Cruise), tem enfatizada entre planos médios e ângulos baixos a relevância simbólico-classista antes conferida ao gênero via exercício profissional. Limítrofe às aparências, contudo, a intimidade a seguir desvelada do casal envidaria nível outro de lutas quanto à consecução de anseios e de expectativas do presente e do futuro de um ainda desejado casamento.
Se a decupagem reforça uma economia afetivo-relacional assimétrica a ambos atores societários, a subversão da dinâmica de poder inferida ao fetiche exposto da traição constitui-se elemento identitário masculino desestabilizante. O controle altericida de Harford e de congêneres constatado ao abuso criativo das transparências indumentárias e da nudez feminina, signo diegético do poder masculinista sobre as mulheridades, desfaz-se à agência do desejo não liberalizado à ocasião por homens. O lugar de dispensador do prazer desarticulado, portanto, à fantasia encontra na empresa obsessiva da aventura sexual tentativa desesperada de refundar neuroticamente uma subjetividade fissurada à ruptura narcísica do ego (Freud, 1923). Admitida a simbologia da perda do falo e, por isso, do jugo informador da (supremacista) identidade masculina, o luto processado à paleta de cores em azul vincula-se a uma quase paranoia pela aniquilação, porque já mental, da vida medíocre conhecida como própria, a despeito dos sacrifícios gerados ou a gerar a outrem.
Ao excitante encerramento do desnudar subjetivo e das imperfeições estabelecido nos leitmotivs e nos paralelos visuais — retorne-se à cena da personagem de Nicole Kidman — , o teatro das máscaras internas esfacela-se ao assombro e ao riso homólogos, pois a inflexão final é o reencontro com uma humanidade além-performática. Desfazer-se e refazer-se em coletivo é da escolha pela vida e, à imitação ou não da arte, destruamos nós, por fim, o apelo à normalidade e à indiferença.