Culpa e Desejo: incompreensível é tentativa de infantilizar mulheres adultas responsáveis por si mesmas
Título original: L’été Dernier
Países de origem: França e Noruega
Gênero: drama; suspense
Duração: 103 minutos
Direção e roteiro: Catherine Breillat
Colaboração em roteiro: Pascal Bonitzer
Obra original: Maren Louise Käehne e May el-Toukhy
Produção executiva: Caroline Blanco, Rene Ezra e Clifford Werber
Produção: Saïd Ben Saïd
Direção de fotografia: Jeanne Lapoirie
Trilha sonora: Kim Gordon
Distribuição (Brasil): Synapse Distribution
Elenco: Léa Drucker, Samuel Kircher, Olivier Rabourdin, Clotilde Courau
A produção deste tipo de longa sempre joga sobre as pessoas espectadoras dúvidas a respeito dos reais objetivos da autoria dos argumentos desenvolvidos em tela, ou, se não o faz, deveria. Parece-me inconcebível que, como em Culpa e Desejo (título original: L’été Dernier), com direção e roteiro de Catherine Breillat, relativize-se o abuso sexual infantojuvenil, imputando a menores de idade a virtual responsabilidade por jogos inexistentes — em verdade, a inexistir — de sedução entre adultos e adolescentes, não em oposição, contudo, aos aparentes ímpeto e inclinação a comportamentos do tipo a jovens quase lascivos e lascivas, porque já conscientes de si — justificativa clássica, aliás, a abusadores e à escória similar — . Anne (Léa Drucker), uma advogada especializada em casos de violência contra a infância e a adolescência, recebe no lar mantido com o marido Pierre (Olivier Rabourdin) e duas pequenas filhas Théo (Samuel Kircher), fruto de outro dos casamentos do atual companheiro, após uma suspensão escolar. Morando em Genebra, o menino cresceu distanciado do pai e, por este motivo, as marcas emocionais de uma sentida ausência impõem-se à convivência a estabelecer, no agora, entre um e outro. No entanto, a perspectiva a qual julgo autocentrada da decupagem acerca da visão da protagonista coloca, em geral, em primeiríssimos planos, entre prazeres e certa tensão sexo-afetiva criada por uma aproximação interpessoal antes comum a semelhantes casos, uma fingida culpa moral à permissão concedida de seduzir-se a caprichos juvenis.
Em contraste com a cena de abertura, a tentativa da advogada de descredibilizar sua vítima, quando confrontada sobre o envolvimento com Théo, faz ruir a persona, embora glamourizada a relação abusiva ainda o seja. Curiosamente, Culpa e Desejo antecipa-se ao lançamento oficial de Segredos de um Escândalo (título original: May December; Todd Haynes, 2023) nos cinemas do país, e ocorre pensar que, em realizações consecutivas, mesmo distanciadas as abordagens, mulheres brancas de classe média (alta) entediadas e/ou infelizes com uma vida a dois medíocre ou sem mais emoções constroem-se potenciais abusadoras. Se este movimento não for indicativo da normalização tentada de crimes, pois, aqui, sob a agência de um polo (racial e de gênero) opositor, talvez uma mudança faça-se necessária.
Estreia dos Festivais de Cannes e Varilux de Cinema Francês 2023, Culpa e Desejo chega nesta quinta-feira, dia 23/11, às salas escuras brasileiras.