Coringa: Delírio a Dois: mitologia de Arthur Fleck é ceifada por sequência suplantadora de apelo antissistema da personagem fascistoide
Título original: Joker: Folie à Deux
País de origem: Estados Unidos (2024)
Duração: 138 minutos
Gênero: drama; musical; suspense
Direção: Todd Phillips
Roteiro: Scott Silver e Todd Phillips
História original: Bill Finger, Bob Kane e Jerry Robinson (1940)
Produção: Todd Phillips, Emma Tillinger Koskoff e Joseph Garner
Fotografia: Lawrence Sher
Montagem: Jeff Groth
Direção de arte: Mark Friedberg
Música: Hildur Guðnadóttir
Figurino: Arianne Phillips
Distribuição (Brasil): Warner Bros. Pictures
Elenco: Joaquin Phoenix, Lady Gaga, Brendan Gleeson, Catherine Keener, Zazie Beetz
Tragar-se à própria sombra é sintomático do desconhecimento de si e de uma identidade volátil aos dissabores anômicos de conjuntura fascistoide e pró-autoritária. Neste sentido, a forma (animada) eleita por Todd Phillips para a ilustração do fenômeno à abertura de Coringa: Delírio a Dois (título original: Joker: Folie à Deux) (Warner Bros. Pictures, 2024) só poderia ser indicativa do aspecto caricatural de ter de apontá-lo. Em uma Gotham ainda mais cinzenta, Arthur Fleck (Joaquin Phoenix) definha no hospital-presídio de Arkham enquanto aguarda o julgamento dos seis homicídios perpetrados no filme de 2019 quase sepulto a outra série experienciada de assédios institucionais. Mergulhado em vazio conhecido, o encontro com Lee Quinzel (Lady Gaga) nas dependências do cárcere apresentá-lo-ia à possibilidade de ser e de sentir-se amado, contudo, sob uma condição: reassumir a persona por que enfrentaria o tribunal da opinião pública da cidade-algoz.
Segundo conclusão uma vez operada em Coringa (título original: Joker, 2019), Happy tornou-se problema, ou melhor, perigo coletivo, porque infantilizado a níveis distintos de negligência. Sendo o recurso à fantasia dispensador subjetivo de negada humanidade, o gênero cinematográfico (musical) latente à narrativa constituir-se-ía viés criativo óbvio de vocalização emocional reprimida e estressor competente do desprezo alimentado, pois necessariamente a alimentar, por figura cujo ridículo sumariza-se na incompetência adquirida de comunicar desejos e quereres. À tétrica linha de cordas da trilha sonora original de Hildur Guðnadóttir, os números musicais conduzidos por emblemático cancioneiro popular colorem a aura setentista de imaginário adoecido por culto autocomiserado a uma supremacia patriarcal não realizada. O convite de Quinzel à entrega às pulsões de morte faz-se propósito elucidativo da misoginia edipiana outrora desvelada do palhaço e cuja expressão terceiriza a responsabilidade de fracassos individuais.
Fracassado, assenta Phillips, é também o intento psicologizante da conduta denegatória do protagonista, porquanto Fleck e Coringa justapõem-se unidades. Nada redimível, a rota de autodestruição perseguida tinha desfecho único. Uma sequência a ampliar a mitologia da personagem ofereceria irresponsável visibilidade a tipos sociais derivados e, se a repetição serve de algo, condene-se logo ao ostracismo a categoria de ator político feita revelar pelo vilão dos quadrinhos.