Conclave: sucessão pontifícia replica desafios da luta pró-democracia contemporânea à luz de embates e do neoconservadorismo institucionais em novo longa de Edward Berger

Thainá Campos Seriz
4 min readNov 21, 2024

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Pôster promocional de “Conclave” (2024) (Diamond Films, 2025), longa dirigido por Edward Berger e roteirizado por Peter Straughan em adaptação ao volume homônimo de autoria de Robert Harris (2016). Foto: divulgação/Diamond Films.

Título: Conclave
Países de origem: Estados Unidos e Reino Unido (2024)
Duração: 120 minutos
Gênero: thriller; drama
Direção: Edward Berger
Roteiro: Peter Straughan
História original: Robert Harris (2016)
Produção: Tessa Ross, Juliette Howell, Michael Jackman, Alice Dawson e Robert Harris
Fotografia: Stéphane Fontaine
Montagem: Nick Emerson
Direção de arte: Suzie Davies
Música original: Volker Bertelmann
Edição sonora: Archie Lamont e Jamie McPhee
Figurino: Lisy Christl
Distribuição (Brasil): Diamond Films
Elenco: Ralph Fiennes, Stanley Tucci, Isabella Rossellini, John Lithgow, Carlos Diehz, Sergio Castellitto

Ambas adaptações cinematográficas do mesmo diretor, Conclave (2024) (Diamond Films, 2025) vincula-se espiritualmente a Nada de Novo no Front (título original: Im Westen nichts Neues, 2022) e amplia-lhe o escopo reflexivo, a considerar-se o avanço etário-temporal processado. Se o extermínio geracional em campo de batalha outrora desvelara a queda da juventude alemã às ilusões de heroicismo fanático nos anos da Grande Guerra (1914–8), a expectativa da irrelevância ao arbítrio e à supremacia gênero-racial do ultraconservadorismo católico gesta crítica concêntrica hodierna aos principais quadros do velho poder eclesiástico romano. Em franco aceno replicador do estado de coisas político contemporâneo, Edward Berger opõe o endógeno clamor pró-equidade ao esforço contrarreformista na já plurissecular disputa institucional de corações e de mentes encampada, agora, ante o perigo da reorganização de forças antidemocráticas.

Vago o trono pontifício, a organização do conclave recairia sobre os já pesados ombros do decano Thomas Lawrence (Ralph Fiennes). Árdua, a tarefa exigiria da claudicante fé do cardeal resiliência, entretanto, mundana, apesar das paredes sagradas do Vaticano. Fotos: divulgação/Diamond Films.

À edição sonora, os embates ideológicos retroalimentam-se às distensões emocionais vividas pelo decano Thomas Lawrence (Ralph Fiennes) e são adensados por motivos musicais cuja primazia do conjunto de cordas parece estressar arroubos sublimados à interioridade. Dado o caráter sub-reptício do jogo de interesses eclesial, à decupagem, o claustrofóbico encerramento entre grades, celas e extensos corredores combina-se à profundidade de campo ampliada e ao uso de grandes angulares e de close-ups para a síntese do declínio motivador das angústias de Lawrence. Em termos visuais, quando justaposto à iluminação amarelada ou aos ambientes monocromáticos em branco, o vermelho dos figurinos antes interioriza a decadência do cardeal à solidão experienciada via sacerdócio.

A construção psicológica algo maniqueísta das das personagens em cena serve à metonímia dos debates concernentes à representatividade tanto feminina quanto étnico-cultural-geográfica em cargos de liderança e decisórios, à questão LGBTQIAPN+ e às denúncias de escândalos sexuais. Neste sentido, por fiar-se no estabelecimento da realpolitik e das alianças eleitorais mobilizadas em um longevo 2º ato, contudo, o destaque quase unilateral às articulações do cardeal Tremblay (John Lithgow) exaure a narrativa até ponto evidente de reviravolta e à invisibilidade de agências outras melhor concorrentes à potencialização do nó discursivo harrisiano (2016). Assim desatado, o desfecho resolve o apelo representativo sem perturbações à hegemonia masculino-patriarcal e, em obediência às injunções aquém-certezas do mundo do clérigo de Fiennes, faz recair a solução de problema estrutural sobre ator de grupo expropriado em poder por processo saviorista pouco surpreendente.

Microcosmos do estado de coisas político global, o conclave oporia forças progressistas e contrarreformistas (ou neoconservadoras) para a decisão dos novos (ou velhos?) rumos da Igreja Católica e, por conseguinte, de toda a cristandade. Fotos: divulgação/Diamond Films.

Irreal, pois, a espera disruptiva deve compreender a longevidade da instituição como material ao trabalho de relevância perpetuado por ímpeto estatizante de agendas contra-hegemônicas e, não obstante pontuais constrangimentos, admita-se, garantia sistêmica é a da ordem. Nevrálgica à consecução de tarefa heteroatribuída, a dúvida afiançaria a escolha do sucessor pontifício e a liberdade do protagonista ao aprisionamento hierárquico. Sendo simbólica a visão de horizonte não encerrável em gradis e do movimento corporal liberto de duas jovens noviças, constitua-se o exercício religioso ou não da fé sabedoria mais libertária do mistério da vida e ontologia dignificante de facto das humanidades.

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Thainá Campos Seriz
Thainá Campos Seriz

Written by Thainá Campos Seriz

Historiadora (UFF). Pesquisa e revisão de conteúdo no Canal Preto. Escrevo sobre cinema.

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