Cassandro: a beleza do exemplo está em não escusar seu desejo pela vida

Thainá Campos Seriz
4 min readDec 28, 2023

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Pôster promocional de “Cassandro” (Amazon MGM Studios, 2023), longa com direção de Roger Ross Williams sobre a expressão gay homônima da lucha libre mexicana. Foto: reprodução.

Título original: Cassandro
País de origem: Estados Unidos (2023)
Duração: 107 minutos
Gênero: drama biográfico
Direção: Roger Ross Williams
Roteiro: David Teague e Roger Ross Williams
Produção: Todd Black, Julie Goldman, Gerardo Gatica González e Ted Hope
Produção executiva: Paula Amor, David J. Bloomfield, Jason Blumenthal, Alberto Muffelmann, Matías Penachino, Mariana Rodriguez Cabarga, David Teague e Steve Tisch
Direção de fotografia: Matias Penachino
Música: Marcelo Zarvos
Montagem: Yibran Asuad, Affonso Gonçalves e Sabine Hoffman
Empresas produtoras: Escape Artists e Panorama Global
Distribuição: Amazon MGM Studios
Elenco: Gael García Bernal, Roberta Colindrez, Perla De La Rosa, Joaquín Cosío, Raúl Castillo, El Hijo del Santo, Bad Bunny

La leyenda viva. Com direção de Roger Ross Williams e roteiro de David Teague e de Roger Ross Williams (Life, Animated, 2016), o drama biográfico Cassandro (Amazon MGM Studios, 2023) percorre a trajetória de ascensão de Saúl Armendáriz (1970) (Gael García Bernal), fenômeno de expressão LGBTQIAPN+ da lucha libre mexicana, em especial, no início de sua atuação como exótico, ou seja, lutador gay e não mascarado da categoria, necessariamente derrotado ou a derrotar. Ainda enquanto El Topo, Armendáriz recusava a participação sem máscara no ringue pela perspectiva da derrota certa e pelo temor em parte instilado por Yocasta (Perla De La Rosa), amada mãe, quanto a uma possível reação adversa do pai, afastado, no entanto, há décadas do convívio com a família. Vivendo abertamente a homoafetividade desde os quinze anos, Saúl enfrentaria toda sorte de homofobias e de outras violências afins dentro e fora do espaço de lutas, até decidir profissionalizar-se, quando a persona por que foi, e é, conhecido.

Na imagem, Armendáriz (Gael García Bernal) em ascensão como Cassandro nos ringues. Foto: reprodução.

Se o uso anterior do artefato contrastava com a vida e com o amar nunca escusáveis per se, o deslocamento orientado do cinematógrafo a 180° em direita-esquerda refletiria disparidade similar frente a um autoempoderamento construído a partir da identidade de Cassandro nos tatames e a uma relação afetivo-sexual vivida, porém, à claustrofobia de frestas pouco ou nada iluminadas — vide a orientação em sentido contrário da câmera — e à consecução das expectativas maternas acerca do exercício mesmo da própria sexualidade. Genitora e prole eram, sem dúvida, companheiros em solidão do abandono parental/amoroso, mas o peso sentido de uma vida familiar não realizada à homossexualidade do filho fazia-se recair, por vezes, sobre um dos duplamente cansados ombros. Dada a melancólica partida da principal razão de seu desejo de sucesso, Armendáriz romperia com várias das persistentes ausências partilhadas, tendo sido enfrentamento à homofobia paterna, cena memorável deste longa, aí belamente estabelecido entre a inspiração da personagem a outro jovem cuja relação com o pai não se destruiu à moralidade pseudo-religiosa ou à hipocrisia.

Na imagem à esquerda, um ainda tímido e destemido El Topo no início da preparação para transformar-se em Cassandro (Gael García Bernal). Na imagem à direita, Saúl Armendáriz (Gael García Bernal) aparece ao lado da amada mãe Yocasta (Perla De La Rosa). Fotos: reprodução.

A pessoas LGBTQIAPN+ ou não, Cassandro vem recordar que a segurança do armário, observadas as devidas circunstâncias e/ou contingências, pode ser, porque confortável, conformadora. Conquanto se sobrevive, e é preciso, pois o martírio a ninguém interessa, resignada(o) submete-se ao sistema racissexual de gênero, e o movimento é comparável à morte social/simbólica. Ademais, atestado está o real caráter desaglutinador de lares aferido a todas as fobias, considerando-se a mediocridade e a ignorância motivada da sustentação de um, em verdade, frágil poder patriarcal. Por fim, a íntegra sensibilidade de García Bernal bem-compreende S. Armendáriz na própria capacidade inspiradora de tão belo exemplo como o do biografado, força, aliás, comovente.

Confira Cassandro, agora, no Prime Video.

Na imagem à esquerda, Gael García Bernal é um ovacionado Cassandro, estrela da luta livre mexicana e pioneiro LGBTQIAPN+ no meio. À direita, a referência Saúl Armendáriz (1970), o verdadeiro Cassandro. Fotos: reprodução.

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Thainá Campos Seriz
Thainá Campos Seriz

Written by Thainá Campos Seriz

Historiadora (UFF). Pesquisa e revisão de conteúdo no Canal Preto. Escrevo sobre cinema.

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