Blitz: ficção histórica de Steve McQueen dispensa exterioridade da guerra-relâmpago londrina (1940) por melodrama revitimizador da infância negra entre ufanista tragédia nacional da metrópole britânica
Título: Blitz
País de origem: Reino Unido (2024)
Duração: 120 minutos
Gênero: drama histórico; guerra
Direção e roteiro: Steve McQueen
Produção: Tim Bevan, Eric Fellner, Steve McQueen, Anita Overland, Adam Somner, Arnon Milchan, Yariv Milchan e Michael Schaefer
Fotografia: Yorick Le Saux
Montagem: Peter Sciberras
Direção de arte: Adam Stockhausen
Música: Hans Zimmer
Figurino: Jacqueline Durran
Distribuição (Brasil): Apple TV+
Elenco: Saoirse Ronan, Elliott Heffernan, Paul Weller, Benjamin Clémentine, Harris Dickinson, Kathy Burke, Stephen Graham
Síntese dos esforços de Rita (Saoirse Ronan) e de George (Elliott Heffernan) Hanway em Blitz (Apple Studios e Working Title Films, 2024), ferir-se entre a resistência ao arbítrio preconiza a metáfora do destino legado vocação por seu país em meio ao jugo nazista da Europa na 2ª Grande Guerra (1939–45). Para Steve McQueen (12 Anos de Escravidão), mãe e filho envidariam o mundo de desejos pró-futuro a triunfar a série de bombardeios alemães perpetrada contra a capital britânica de maio a setembro de 1940, não obstante as injustiças, as contradições e os silêncios acerca do passado e do presente inscritos ao racismo nunca o fossem nomeados violentos por brancos adultos. Cor nacional, o vermelho dos figurinos da personagem principal far-se-ia tributário de elã coletivo na defesa da dignidade e do modo de vida inglês à barbárie germânica, mas a admitir-se a primazia dos interiores como metonímica à proteção materna do horror bélico, o viés melodramático frustra o desenvolvimento além-emocional da narrativa ao imputar a memória histórica (e urbanística) do período ao vazio simbólico.
Se a reconstituição em flashbacks da trajetória familiar do menino Hanway é sintomática na tessitura dos fóbicos enfrentamentos ocorridos na passagem à pré-adolescência, a inépcia da protagonista de Ronan vincula-se anticlimática à crueldade experimentada e agora reproduzida. Positivada, a assunção de George à negritude refaz-se ao orgulho do exemplo de Ife (Benjamin Clémentine) e, mesmo autodefinida, o límbico não lugar ocupado seria pedagógico em comunicar a solidão vivida em experiência seminal, quando não deveria sê-lo. A compreender-se dúvidas, reveses, desafios, incertezas, lutos, ansiedades e perdas enquanto genéticos a qualquer jornada, replicá-los sequencialmente à pessoa tão jovem parece revitimizá-la em lócus psíquico (ou material) de sofrimento já latente aos eventos em destaque, ao passo que as motivações do rebento de Rita transformam-se todas em desnecessários gatilhos. Por fim, o centrípeto desenlace dos fatos ficcionais dificulta o acesso à exterioridade da guerra-relâmpago sugerida ao título e, ante a malograda promessa de visão exógena, o longa conclui-se breve a tão aguardado reencontro conciliador.
Fenomenológica, a visualidade do longa entremeia-se à direção de arte na feitura de cenários e de arquitetura impecáveis às reconstituições propostas, conquanto encerradas em quadro. Às simetrias imagéticas percebidas na abertura e no desfecho, o reflexo de aeronaves fundia-se a um tapete de margaridas no qual a vida, supunha-se, tencionava reerguer-se à morte. Dada a hecatombe não interrompida e à perda abatida sobre o próprio lar, oxalá flores tenham representado melhores esperanças na nova caminhada da dupla rumo ao viver em paz.