Besouro Azul: a representatividade prometida não pode ser a que agrada a quem não se interessa

Thainá Campos Seriz
4 min readAug 23, 2023

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Pôster oficial de “Blue Beetle”, ou “Besouro Azul”, em português/BR. Foto: reprodução.

Direção: Angel Manuel Soto
Produção: John Rickard e Zev Foreman
Roteiro: Gareth Dunnet-Alcocer
Cinematografia: Pawel Pogorzelski
Trilha sonora: Bobby Krlic
Edição: Craig Alpert
Companhia produtora: DC Films
Distribuição: Warner Bros. Pictures
Gênero: ação; ficção científica; aventura
Duração: 127 minutos
Elenco: Xolo Maridueña, Bruna Marquezine, Adriana Barraza, Elpidia Carrillo, Damián Alcázar, George Lopez, Belissa Escobedo, Susan Sarandon, Raoul Trujillo, Harvey Guillén

Francamente, não sei se precisávamos de outro filme de super-herói, em vista da saturação das histórias e dos vários multiversos aos quais fomos (e ainda estamos) lançadas e lançados, mas se pudéssemos dizer algo a destacar Besouro Azul (Warner Bros. Pictures, 2023), ou Blue Beetle (título original), seria a respeito de sua despretensiosidade. Exatamente em razão de seara para lá de repisada, inclusive, no mundo DC Comics, este longa com direção de Ángel Manuel Soto e roteiro de Gareth Dunnet-Alcocer traz como pode a adaptação em live-action da personagem Jaime Reyes, interpretada pelo talentosíssimo Xolo Maridueña, a partir das histórias de, pelo menos, três congêneres publicadas desde 1939 acerca do homônimo latino. Pioneiro no DCverso, Reyes é um jovem estadunidense de origem mexicana que, após concluir a universidade, retorna à cidade natal de Palmera City e recebe a notícia da perda da casa pela família e da falência do empreendimento familiar paterno. Do encontro com Jenny Kord, interpretada por Bruna Marquezine, depois da demissão dos Reyes (Milagro e Jaime) por Victoria Kord (Susan Sarandon) do trabalho na residência das milionárias, inicia-se a jornada de construção do herói. O escaravelho alienígena entregue a Jaime por Jenny elege-o hospedeiro e, desde então, porque tecnologia a integrar um projeto armamentista federal, tanto o besouro humano quanto sua família passam a ser perseguidos.

Frames de “Blue Beetle”. Acima, Bruna Marquezine como Jenny Kord. Abaixo, Xolo Maridueña na pele de Jaime Reyes/Besouro Azul. Fotos: reprodução.

Devidamente inserido por e, agora, entre as referências a outras das personagens DC, além da deixa à possibilidade de uma nova franquia, o filme peca pelo uso excessivo de efeitos e de outras gags visuais já vistos e empregados em similares do gênero, quando não, e até, de estereótipos clássicos direcionados aos públicos latinos. Apesar da sensível abordagem à questão imigrantista, às nuances identitária e representativa do grupo entre a assimilação e a adaptação culturais para a geração de filhas e de filhos nascida em território estadunidense e à união das coletividades (aqui, mexicana e guatemalteca) frente a uma ameaça comum — em chave oposta a de universo outro (shame on Wakanda Forever) — , o tropo da família barulhenta, invasiva e tagarela ofusca até o recurso cômico a marcos significativos da televisão latina, como María la del Barrio e El Chapulín Colorado, cujas piadas, além de recicladas em mais de um momento, trazem o já conhecido e, por isso mesmo, estereotipizado. Se o esforço de movimento político-artístico contrário à estereotipia e favorável à pluralização de histórias e de tipos entre as latinidades, incluindo-se a brasileira, era marca dos anos 2010, em retroativa vaga, Besouro Azul não pôde avançar sobre — e por motivos vários — .

A brasilidade de Marquezine fica reduzida a uma solitária linha de diálogo em português e à suposta linhagem materna sequer apresentada, não obstante a importância de sua Jenny Kord, as excelentes atuação e desenvoltura em idioma distinto e o bom tempo de tela. Para ter o próprio homem-com-nome-ou-origem-em-um-animal na linha de heróis, a estúdios e produtoras, qualquer coisa condensada de alusões óbvias e de estereótipos parece valer — até tolir a liberdade criativa da direção e do roteiro — . De fato, ceder pautas notórias à apropriação brancalizável de capitalistas não pode ser a inflexão de lutas históricas ou o máximo a contentar-se. Justiça ao que (bem) queremos e desejamos a Bruna Marquezine e a outras irmãs e irmãos do continente é exigir muito mais de como devemos e merecemos poder ver-nos na grande tela, sem a obrigação de bajular nossos algozes.

Frame de “Blue Beetle”. Ao centro, Bruna Marquezine como Jenny Kord. Em 2º plano, da esquerda para a direita, estão Belissa Escobedo (Milagro Reyes), Elpidia Carrillo (Rocio Reyes), Adriana Cazarra (Nana Reyes) e George Lopez (Rudy Reyes). Foto: reprodução.

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Thainá Campos Seriz
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Written by Thainá Campos Seriz

Historiadora (UFF). Pesquisa e revisão de conteúdo no Canal Preto. Escrevo sobre cinema.

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