Barry Lyndon: longa analisa perspectiva histórica do raciclassicismo colonial europeu em clássica biografia apócrifa adaptada por Stanley Kubrick
Título: Barry Lyndon
Países de origem: Reino Unido e Estados Unidos (1975)
Duração: 185 minutos
Gênero: aventura; drama; biografia
Direção, roteiro e produção: Stanley Kubrick
História original: William Makepeace Thackeray (1844)
Fotografia: John Alcott
Montagem: Tony Lawson
Trilha sonora: Leonard Rosenman
Figurino: Milena Canonero
Direção de arte: Ken Adam e Roy Walker
Distribuição: Warner Bros. Pictures
Elenco: Ryan O’Neal, Marisa Berenson, Patrick Magee, Hardy Krüger, Gay Hamilton, Murray Melvin
Uma trajetória que, excepcional, faz decair qualquer persistente tentativa de exaltação às aristocracias. Em Barry Lyndon (Warner Bros. Pictures, 1975), adaptação kubrickiana do clássico romance picaresco As Memórias de Barry Lyndon (William Makepeace Thackeray, 1844), as simetrias entre um e outro quadros caraterísticas do estilo do realizador assumem nexo causal sobremaneira expressivo à narrativa central.
O imobilismo societário dos Setecentos britânico condenaria ao ostracismo o amor dos primos Redmond Barry (Ryan O’Neal) e Nora Brady (Gay Hamilton), pois prometida fora Brady a um oficial do Exército inglês. Irlandeses, o comentário anticolonial menciona ainda o exercício classista de uma ascensão sociofamiliar facilitada ao jugo das mulheridades e de um pedante teatro masculinista genderizado aos ideais romântico-nobiliárquico-cavalheirescos. Em salvaguarda à honra esmorecida sob outras masculinidades, Barry, embora vencedor do duelo disputado com John Quin (Leonard Rossiter), rumava a Dublin, o inferno natal, quando fora assaltado. Uma vez ingresso nas forças militares e engajado na contenda franco-inglesa de 1756–1763, o empobrecido Redmond B. sucumbiria ao horror moral da guerra.
A profundidade de campo ampliada cena a cena a partir de planos detalhes refunda a distância temporal dos eventos oniscientemente narrados e faz compreender os efeitos sobre a individualidade impressos à sujeição à série de violências perpetrada e reproduzida pelos poderes masculinos. À deserção e à posterior sanção enfrentada nas fileiras prussianas, R. B. ludibriaria superiores e auferiria sua liberdade via jogatina e estelionatos, até conhecer a amada Honoria Lyndon (Marisa Berenson), com quem decidira casar. A então esposa do celebrado ministro Charles R. Lyndon (Frank Middlemass) e mãe de Lorde Bullingdon (Leon Vitali) seria atraída a um casamento de traições e de superdívidas contraídas ao movimento do marido de elevar-se em prestígio à corte de George III (1738–1820). Mesmo redimido ao amor do pequeno Bryan (David Morley), o protagonista logo declinaria no dialético jogo de aparências da liberalidade real e, após ataque ao enteado, Barry Lyndon terminaria evitado por sua classe. À bancarrota do lar de Honoria L., a fatídica partida do filho caçula do afamado casal transmutaria a iluminação outrora solar da propriedade e as pretensões à nobiliarquia do vermelho dos figurinos no azul de almas deprimidas e enlutadas.
Como vingança a uma injustificada demissão, o reverendo e ex-tutor Samuel Runt (Murray Melvin) animaria a represália do primogênito Lyndon contra o padrasto, tendo-o, por fim, derrotado em um duelo — no passado, o triunfo seria do não nascido nobre — . Ferida e substituída enquanto patriarca, a personagem de Ryan O’Neal retornaria à Irlanda para debelar a amargura e a desgraça das derrotas infligidas. A beleza estonteante das paisagens em destaque e o ritmo lento da câmera de John Alcott contrastam com as substanciais reviravoltas ocorridas à história de glórias e de ruína apocalíptica do biografado. Ao senso pouco móvel daquele mundo insular, Barry/Lyndon devassara as entranhas raciclassistas e de gênero pouco civilizadas (ver Elias, 1939) dos sistemas social-político-hierárquicos euroandrocêntricos impulsionados à classificação e ao sequestro das dignidades. Stanley Kubrick insere o rebaixamento humano à indignidade da sobrevivência e à reprodução violenta dos masculinismos em meio hostil em perspectiva histórica e, com isso, legara importante aprendizado a respeito das decadentes aspirações a nobrezas de toda estirpe.