As 4 Filhas de Olfa: a tragédia de mulheres entre os colonialismos doméstico e externo-ocidentais tem indistintas faces

Thainá Campos Seriz
3 min readOct 20, 2023

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Pôster oficial de “As 4 Flhas de Olfa” (título original: Les Filles d’Olfa), com direção e roteiro de Kaouther Ben Hania. Foto: reprodução.

Título original: Les Filles d’Olfa (árabe: بنات ألفة)
Países de origem: França, Tunísia, Alemanha e Arábia Saudita
Duração: 110 minutos
Gênero: documentário
Direção e roteiro: Kaouther Ben Hania
Produção: Nadim Cheikhrouha
Coprodução: Habib Attia e Thanassis Karathanos
Produção associada: Lassaad Kilani e Rafik Kilani
Trilha sonora: Amin Bouhafa
Direção de fotografia: Farouk Laâridh
Design de produção: Bessem Marzouk
Edição: Qutaiba Barhamji
Som: Amal Attia
Design de som: Manuel Laval
Empresa produtora: Tanit Films
Empresas coprodutoras: ZDF/Arte, Red Sea Film Festival Foundation, Twenty Twenty Vision, Cinétélé Films e Jour2Fête
Elenco: Hendi Sabri, Olfa Hamrouni, Eya Chikhaoui, Tayssir Chikhaoui, Nour Karoui

Não pensava que a metalinguagem fosse atribuir ainda mais potência a uma história. Falado em árabe, o documentário As 4 Filhas de Olfa (título original: Les Filles d’Olfa; بنات ألفة) aborda o desaparecimento de duas das quatro filhas de Olfa Hamrouni via dramatização dos eventos internos à vida da família então coformada por Ghofrane, Rahma, Eya e Tayssir, os quais refletem a tragédia da política nacional tunisiana seguida à Primavera Árabe (2011) e à queda da ditadura de Zine El Abidine Ben Ali (1987–2011). A série de entrevistas com Olfa Hamrouni é o mote da reconstituição passo a passo de sua trajetória pessoal e da árdua convivência com as quatro rebentas, além de ponto alto da direção e do roteiro de Kaouther Ben Hania, cuja voz é ouvida em meio às gravações. Entre belas lembranças, diferenças intergeracionais e o drama da separação de Olfa de Ghofrane e de Rahma, o trabalho em cena das atrizes Hendi Sabri (Olfa), Nour Kaouri (Rahma Chkhaoui) e Ichraq Matar (Ghofrane Chkhaoui) e do ator Majd Mastoura (várias personagens) ganha em corpo e em voz à presença tanto da matriarca quanto de Eya e de Tayssir, mais novas, na condução narrativa.

Na imagem à esquerda, Hendi Sabri (à direita da tela) encena Olfa Hamrouni (à esquerda da tela). Na Imagem à direita, figuras as atrizes Nour Kaouri (deitada ao centrado) e Ichraq Matar (sentada ao alto da cama) nas peles de Rahma Chkhaoui e de Ghofrane Chkhaoui, respectivamente; Eya Chkhaoui (à esquerda da tela); e Tayssir Chkhaoui (à direita da tela). Fotos: divulgação/Festival de Cannes.

A análise em retrospecto das jornadas individuais e coletivo-societárias femininas do país por Olfa, Eya e Tayssir brindou-nos com reflexões pertinentes aos papéis sociais de gênero e à subjetivação de meninas e de mulheres em meio à reconstrução nacional à ditadura de Ben Ali, apenas o 2º governo da Tunísia emancipada (1956), e à promessa de liberdades democráticas. Entretanto, a radicalização de grupos islâmicos antiestatais no pós-revolução fragilizou as já cindidas relações entre mãe e filhas, culminando na adesão de Ghofrane e de Rahma ao Daesh (Estado Islâmico) e em sua saída de casa. As consequências, catastróficas, somam-se à angústia pelo retorno mais ou menos próximo das filhas/das irmãs ao seio familiar e pelo restabelecimento da convivência, não obstante laços desfeitos, mágoas e outros traumas. A alternância de planos (objetivos, subjetivos e detalhes) e o rack focus bem-recriam a diferença entre perspectivas e o acolhimento a também distintas histórias.

Atordoada por tanta dor, concluí este documentário desejosa da compreensão tanto sensível ao problema tratado em tela quanto responsabilizadora dos reais agentes domésticos e externo-ocidentais perpetradores da violência colonial por que o mundo árabe segue assolado.

Assistido no Festival do Rio, o eleito Melhor Documentário do Festival de Cannes 2023 ainda não tem previsão de estreia nos cinemas brasileiros.

Na imagem, figuram Tayssir Chkhaoui (à esquerda da tela) e Eya Chkhaoui (à direita da tela). Fotos: divulgação/Festival de Cannes.

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Thainá Campos Seriz
Thainá Campos Seriz

Written by Thainá Campos Seriz

Historiadora (UFF). Pesquisa e revisão de conteúdo no Canal Preto. Escrevo sobre cinema.

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