Aquaman 2: O Reino Perdido: quando o presente é negado à valorização reafirmativa da agência unilateral dos grandes homens ante o fim do mundo
Título original: Aquaman and the Lost Kingdom
País de origem: Estados Unidos (2023)
Duração: 124 minutos
Gênero: ação; aventura; fantasia
Direção: James Wan
Roteiro: David Leslie Johnson-McGoldrick
Argumento: David Leslie Johnson-McGoldrick e Jason Momoa
Obra original: Mort Weisinger e Paul Norris (1941)
Produção: Jason Momoa, Walter Hamada, Peter Safran e James Wan
Produção executiva: Michael Clear e Walter Hamada
Direção de fotografia: Don Burgess
Música: Rupert Gregson-Williams
Montagem: Kirk M. Morri
Figurino: Richard Sale (II)
Supervisão de efeitos visuais: Nick Davis
Distribuição (Brasil): Warner Bros. Pictures
Elenco: Jason Momoa, Amber Heard, Patrick Wilson, Dolph Lundgren, Yahya Abdul-Mateen II, Temuera Morrison, Nicole Kidman, Randall Park
Diretamente do DCverso e após hiato de meia década, Arthur Curry e Aquaman retornam às grandes telas para tão pronto reiniciar e concluir a saga da ascensão da personagem de Jason Momoa ao trono de Atlântida em Aquaman 2: O Reino Perdido (título original: Aquaman and the Lost Kingdom) (Warner Bros. Pictures, 2023). Entronizado, Aquaman divide-se entre o controle dos oceanos e o da vida alternada à união matrimonial com Mera (Amber Heard) e à paternidade na superfície. Introduzida ao solo de Born to Be Wild (Mars Bonfire, 1968), a humana hesitação de Curry ante já conhecidas e inalcançáveis tentativas conciliatórias a mulheres, diga-se, apenas foge à inocuidade, em razão da grave ameaça político-ambiental representada por David Kane (Yahya Abdul-Mateen II), que pretende predar a subaquática fonte de oricalco — substância cujo poder de destruição é aniquilador — do extinto Reino Perdido como forma de desequilibrar a vida e o reinado do humano-atlante a fim de assassiná-lo e às suas pessoas amadas, em vingança à morte do pai (Michael Beach). Além de previsível e em nada criativa, a solução desenhada ao roteiro subaproveita o desenvolvimento do arco dramático da consorte performada por A. Heard, retirando-lhe o protagonismo então alcançado na produção de 2018 e reduzindo-a ao papel de mãe zelosa e de esposa eventual e machisticamente a proteger — adicionaria à conclusão interferências externas à diegese, mas confiro às consciências liberdade interpretativa — , e sobrevilaniza Arraia Negra, em nome da redenção de um racista Orm (Patrick Wilson).
Se a abordagem à emergência e à justiça climáticas bem-contemporiza o longa ao presente, incluindo-se o dissídio provocado à contraposição de diferentes perspectivas, práxis e cosmologias — pense-se na oposição Norte e Sul globais — , a oportunidade da crítica à ação de superconglomerados econômicos no agravamento da coeva crise é perdida ao desenvolvimento limitante de um ressentido antagonista que, ao luto não elaborado, tem alimentada uma sede de poder não antes abordada. Por óbvio, qualquer morticínio é injustificável. Contudo, enquanto a negação à complexidade — a dor sofrida por perda evitável é sobremaneira compreensível — faz naufragar chance única de desfecho diverso à singular personagem negra de todo o filme, a absolvição do antes arqui-inimigo de A. Curry resulta, no mínimo, descabida — a alusão a um tridente negro, e não sombrio, não diz algo? — . Desqualificações atinentes à biologia (descendência bastarda; sangue impuro/mestiço) na constituição de outridades ainda configuram racismo, e o recurso ao compromisso patriótico de um ariano Orm quase sucumbido ao assédio pró-supremacia do reino outrora surrupiado à primogenitura e, depois, reavido à moda da violência masculina para a salvaguarda do desastre de Atlântida às clivagens internas e da exterioridade não aquática é, senão hipócrita, irresponsável.
Ademais, se da agência de um homem indígena polinésio pode-se abdicar, o arranjo de uma vitória solitária às forças das trevas reforça uma heroicização típica às masculinidades nunca tributária à solidariedade e à união de esforços comunitários, embora a disposição à partilha de conhecimento e de tecnologia, prática ética, faça romper o isolacionismo. Outrossim, o desbunde visual de CGIs e de outros efeitos imagéticos rouba-nos a fantasia à razoabilidade de explosões em meio hídrico e impõe-nos o cansaço, dada a insistência de aproximação com o real. Aquaman 2: O Reino Perdido repisa a triste imposição reafirmativa da história dos grandes homens para encerrar, sem nem um só aprendizado com o presente, o ciclo de produções do universo estendido DC (DCEU, em inglês) nas salas escuras em tom melancólico e, por conseguinte, decepcionante.
Com direção de James Wan e roteiro de David Leslie Johnson-McGoldrick, Aquaman and the Lost Kingdom já pode ser conferido nos cinemas brasileiros.