Antes de Partir: finitude torna-se espaço de reflexão sobre permanência e bem-viver em longa tocante de Rob Reiner

Thainá Campos Seriz
3 min readAug 14, 2024

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Pôster promocional de “Antes de Partir” (título original: “The Bucket List”, 2007) (Warner Bros. Pictures, 2008), longa dirigido por Rob Reiner e roteirizado por Justin Zackham. Foto: reprodução.

Título original: The Bucket List
País de origem: Estados Unidos (2007)
Duração: 97 minutos
Gênero: comédia; drama
Direção: Rob Reiner
Roteiro: Justin Zackham
Produção: Craig Zadan, Neil Meron, Travis Knox e Justin Zackham
Fotografia: John Schwartzman
Montagem: Robert Leighton
Direção de arte: Bill Brzeski
Trilha sonora: Marc Shaiman
Figurino: Molly Maginnis
Distribuição (Brasil): Warner Bros. Pictures
Elenco: Morgan Freeman, Jack Nicholson, Beverly Todd, Sean Hayes, Jennifer Defrancisco, Rowena King

A aparente simplicidade da composição imagética de Antes de Partir (título original: The Bucket List, 2007) (Warner Bros. Pictures, 2008) poderia fazer nublar entre a visualidade a potência multifacetada das estelares atuações de Jack Nicholson e de Morgan Freeman, mas, felizmente, o desfecho frustra quaisquer baixas expectativas. Enquanto a narração em voice-over estabelece o background de compartilhamento das trajetórias do duo protagonista em flashforwards e em contiguidades visuais, a alternância do emprego de outra dupla de planos à decupagem (médios e primeiríssimos) preocupa-se em consensuar, mas não em apaziguar as diferenças manifestadas por uma e por outra personagens aquando do conhecimento das respectivas biografias. De pertenças socioeconômico-raciais distintas, Carter Chambers (Morgan Freeman) e Edward P. Cole (Jack Nicholson) deparam-se com o prognóstico de doenças terminais em encontro que, indesejado às circunstâncias, provar-se-ia refôlego às próprias existências.

Em meio ao prognóstico terminal de suas doenças, o encontro talvez indesejado de Carter Chambers (Morgan Freeman) e de Edward P. Cole (Jack Nicholson) em hora tão grave é o que lhes oferece refôlego diante da perspectiva do fim de suas vidas. Foto: reprodução.

Chambers abandonaria o sonho do magistério em História para a reprodução da família criada ao lado da amada Virginia (Beverly Todd), sendo as décadas de trabalho em uma oficina mecânica igual asseveradoras dos sonhos e dos sucessos profissionais alcançados, enfim, pela descendência. Em ruptura com uma trágica história coletiva, o casal negro sobreviveria aos determinismos raciais do próprio tempo, apesar dos sacrifícios empreendidos. Já no alto de privilégios consolidados à expensa dos lucros obtidos em negócios do ramo das saúdes pública e privada, Cole jamais conheceria a similar necessidade, não obstante experienciasse a solidão dos dias. A lista em dado momento descartada de objetivos a ainda perseguir de Carter ofereceria aos agora companheiros a chance de realização dos desejos outrora vedados a um jovem preto e de amizade genuína descobertos ou não no embate logo transformado em parceria.

A recusa ao sofrer é fonte recíproca de aprendizado e, longe de pressuposta pedagogia, o reconhecimento da dignidade seria o fator agente da mútua promoção radical do bem-viver, mesmo ante encerramentos. Verdade a respeito da construção de legados, a salvaguarda na memória do beijo de uma neta, a mais bela garota do mundo, ou da vista elevada da generosidade qual maravilha grandiosa afiança permanência superável à finitude, e a compreensão antecipada de tamanho valor mobilizaria perspectiva menos fatalista quanto ao envelhecer. Se The Bucket List atesta como nunca finais o compromisso com a longevidade e com o trabalho sobre si (Foucault, 1988), entenda-se também fundamental a construção de sólidos laços. Uma vez horizonte, o fim torna-se meio e recomeço (Antônio Bispo dos Santos, 1959–2023).

Em aprendizado mútuo, Chambers (Morgan Freeman) e Cole (Jack Nicholson) fazem da amizade forjada ponte de consecução do próprio legado diante da finitude e da garantia de permanência entre os seus pela memória. Foto: reprodução.

Na filosofia kemética citada por C. Chambers, a justiça cósmica seria garantia da deusa Maat ao coração cujo peso equiparar-se-ia à leveza de uma pluma. Mais leve, ou menos pesado, seria o balanço de uma experiência terrena regida sob princípios éticos e morais. Neste sentido, a vida de alegrias e a memorabilia (do indivíduo por sua comunidade) seriam éticas do equilíbrio natural de dois mundos. Seja o presente solidário possibilidade única de consecução de futuro equânime, pois digno de viver-se.

Nós somos o começo, o meio e o começo. Existiremos sempre, sorrindo nas tristezas para festejar a vinda das alegrias. Nossas trajetórias nos movem, nossa ancestralidade nos guia. (Mestre Antônio Bispo dos Santos)

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Thainá Campos Seriz
Thainá Campos Seriz

Written by Thainá Campos Seriz

Historiadora (UFF). Pesquisa e revisão de conteúdo no Canal Preto. Escrevo sobre cinema.

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