Anora: crítica ao sonho americano exagera estilização da violência e revitimiza protagonista em masculinismo reproduzidamente acidental de Sean S. Baker
Título: Anora
País de origem: Estados Unidos (2024)
Duração: 118 minutos
Gênero: comédia; romance
Direção e roteiro: Sean S. Baker
Produção: Alex Coco, Samantha Quan e Sean Baker
Fotografia: Drew Daniels
Montagem: Sean Baker
Direção de arte: Stephen Phelps
Música: Matthew Hearon-Smith
Figurino: Jocelyn Pierce
Distribuição (Brasil): Universal Pictures
Elenco: Mikey Madison, Mark Eydelshtein, Yuriy Borisov, Karren Karagulian, Lindsey Normington, Vache Tovmasyan, Aleksei Serebryakov
A retórica inspiradamente lynchiana (1986) parece guiar a torrente seguida por Anora (2024) (Universal Pictures, 2025) nesta radical desconstrução do sonho americano. Tema recorrente da filmografia de Sean S. Baker, as trajetórias marginalizadas a leste da Sunset Boulevard (2015), à proximidade de celebrados parques temáticos (2017) ou, agora, ao bairro do Brooklyn cruzam-se com a da personagem-título que, profissional do sexo, faz da superexploração do corpo força de trabalho e fonte de sobrevivência no capitalismo neofinanceiro estadunidense. Contraditória, a ingenuidade adulto-juvenil de “Ani” Mikheeva (Mikey Madison) justapõe-se às luzes neon saturadas em tela para a visualidade algo onírica do sombrio mundo de horror misógino, racietarista e gordofóbico dos clubes noturnos da megalópole nova-iorquina, entretanto, sem parecê-lo. Se a chegada de Ivan Zakharov (Mark Eydelshteyn) prometia fazer de outro turno laboral empresa lucrativa, a presença de filho pródigo da oligarquia russa na vida da protagonista faria da mobilidade obtida com o precoce casamento estação purgatória, diga-se, rumo ao inferno.
De forma inteligente, o realizador de Nova Jérsei metonimiza na psicologia do herdeiro a sátira ao permanente ideário conspiracionista anti-soviético nacional e a tropos femistas da objetificação de cores liberais das mulheridades norte-americanas. A oposição da família de Vanya à união com a jovem desencadeará a sequência de erros cuja proposta tragicômica desvelará a fobia classimasculinista genética das humilhações impostas à trabalhadora sexual. Estilizada, a violência dos ataques reputacionais, das agressões físicas de terceiros e da coação exercida bem-dimensiona a decadência à fantasia da segurança masculina e o sequestro subjetivo à ilusão meritocrática, mas afugenta potencial crítico-dramático a sofrimento revitimizador, pois exagerado. Dissolvidas ao pesadelo da realidade, as cores dos metalizados fios de cabelo da descendente leste-europeia granulam-se ante o cinza monocromático da vertiginosa queda sofrida ao arbítrio e à sádica empatia de quem uma vez disse adorá-la.