Anatomia de uma Queda: sobre fatos, mesmo a compreensão é (ou pode ser) parcial
Título original: Anatomie D’une Chute
País de origem: França
Duração: 152 minutos
Gênero: drama
Direção: Justine Triet
Roteiro: Arthur Harari, Clémentine Schaeffer e Justine Triet
Produção: Marie-Ange Luciani e David Thion
Produção associada: Philippe Martin
Direção de fotografia: Simon Beaufils
Edição: Laurent Sénéchal
Design de produção: Emmanuelle Duplay
Figurino: Isabelle Pannetier
Empresas produtoras: Les Films Pelléas e Les Films de Pierre
Distribuição (Brasil): Diamond Filmes
Elenco: Sandra Hüller, Swann Arlaud, Milo Machado Graner, Antoine Reinartz, Samuel Theis, Jehnny Beth, Saadia Bentaïeb
Instigante seria o mínimo a definir sobre Anatomia de uma Queda (título original: Anatomie d’une Chute), o grande vencedor da Palma de Ouro de Cannes 2023 visto no Festival Varilux de Cinema Francês. Com direção de Justine Triet e roteiro de Arthur Harari, de Clémentine Schaeffer e de Justine Triet, o longa acompanha os desdobramentos da morte de Samuel Maleski (Samuel Theis), a partir ou não de uma queda acidental do 3º andar da casa onde então vivia com a companheira Sandra Voyter (Sandra Hüller) e o filho Daniel Maleski (Milo Machado Graner). Digo queda acidental, pois, em meio à sequência de eventos que marcou o indiciamento e o posterior julgamento da ação contra Voyter a respeito ou não do cometimento de eventual crime, foi como compreendi o desenrolar da tragédia. Enquanto o 1º ato reconstrói pacientemente a vida da família até a perda de S. Maleski, o 2º ato, por sua vez, centra-se, entre o drama do julgamento de S. Voyter, na reconstituição das trajetórias individuais de cada parte do casal em um nervoso jogo de cena.
Se a diferença de perspectivas de defesa e de acusação estabelece-se via debates jurídicos e de provas, a distância a refletir de Voyter e de Maleski, sensível já no uso da língua inglesa enquanto idioma cotidiano, apresenta-se na constante alternância de foco e mesmo dos instrumentos de captação da imagem sugerida pela exímia fotografia de Simon Beaufils para o estabelecimento da tensão por que a relação da dupla era permeada e do conflito de forças criado entre a disposição das humanidades de S. Voyter e de S. Maleski ante mágoas, ressentimentos e frustrações outras de uma história já há muito conjunta. Em contraste com a acusação parcialmente desenrolada por uma misoginia bifóbica, a reviravolta introduzida ao fim do 2º ato e completada pelo depoimento final do Daniel Maleski de um excelente Milo Machado Graner é talvez o clímax inesperado a uma tentativa de resolução inferida por um tribunal. Já Sandra Hüller empresta não apenas nome, como alma e voz a uma protagonista cuja vivacidade torna-a vítima imperfeita ao julgamento sexista alheio e personagem dramática ideal à sondagem interna de espectadoras e de espectadores.
Dada a impossibilidade de conclusão assertiva acerca dos meios da morte de S. Maleski, leia-se queda acidental, homicídio ou suicídio, o benefício da dúvida, para não dizer da presunção de inocência, é a justiça a alcançar-se. Senão o quê ou como, o porquê pode oferecer algum vão consolo, considerando-se o fato incontornável. Portanto, no lugar de uma verdade única, o roteiro de Schaeffer, de Triet e de Harari admite a parcialidade de versões explicativas e, por isso, assenta a importância do retorno a biografias e da reconstrução embasada de fatos a um entendimento, de novo, apenas parcial da realidade, esta também produto de materialidade e de simbolismos diversos.
Com estreia marcada para fevereiro do próximo ano nos cinemas brasileiros, Anatomia de uma Queda é audiência obrigatória.