Alma do Deserto: luta pelo reconhecimento da identidade transgênero de Georgina Epiayú desvela abandono estatal à questão indígena e chaga da consolidação de direitos em poético documentário de Mónica Taboada-Tapia
Título original: Alma del Desierto
Países de origem: Colômbia e Brasil (2024)
Duração: 87 minutos
Gênero: documentário
Direção e roteiro: Mónica Taboada-Tapia
Produção: Beto Rosero e Mónica Taboada-Tapia
Coprodução: Aline Mazzarella e Matheus Peçanha
Fotografia: Tininiska Simpson e Rafael David González Granados
Montagem: Will Domingos
Música: O Grivo
Desenho de som: Carlos E. García
Distribuição (Brasil): Retrato Filmes
Elenco: Georgina Epiayú
Conradiana (1899; 1902) a travessia de Georgina Epiayú pela límbica solidão de vazios da luta pró-dignidade de quatro décadas e meia faz de Alma do Deserto (título original: Alma del Desierto, 2024) (Retrato Filmes, 2025) relato cujo drama historiciza mazela coletiva. Discreta, a onipresença da câmera de Tininiska Simpson e de Rafael David González Granados atenta-se ao manifesto declínio de Epiayú à morosa burocracia do reconhecimento civil de sua transgeneridade, violência institucional que não seria (a) última em vedar-lhe a garantia de direitos básicos, como a participação cidadã em pleitos eleitorais e o acesso a programas governamentais de transferência de renda. Acompanhado no filme de Mónica Taboada-Tapia, o périplo de mais de mil quilômetros da protagonista rumo a um cartório de registros expõe o problema do abandono estatal à questão indígena e vincula-o à perpetuidade das injustiças socioeconômico-raciais na deterioração do modo de vida originário.
O vento forte da viagem empreendida na região desertificada de La Guajira (Colômbia setentrional) assume-se vocalizador poético da reconexão de Georgina com a pertença e com o território ancestral Wayuu, dado o novo confronto com as relações de passado marcado fóbico à assunção de gênero dissidente. Se a solidariedade feminina trava-se em alento à resistência antidiscriminação por vezes percebida solitária, por outro lado, a recusa masculinista parece insensível à metonímia da identidade frente ao jugo compartilhado à pobreza. Conferida a um pedaço de papel, a humanidade da também integrante do clã Uriana equiparar-se-ia ao plano geral do horizonte já não mais crepuscular da própria existência e, ante a perspectiva recém-acrescida, faça-se longeva a vida sempre encampada na alma.