Abril: crítica de Dea Kulumbegashvili ao cerceamento de liberdades sexo-reprodutivas endossa violências (patriarcais) contestadas em premiado drama feminista

Thainá Campos Seriz
2 min readDec 18, 2024

--

Pôster promocional de “Abril” (título original: “April”, 2024), longa dirigido e roteirizado por Dea Kulumbegashvili vencedor do Prêmio Especial do Júri no Festival de Veneza. Foto: reprodução.

Título original: April
Países de origem: França, Itália e Geórgia (2024)
Duração: 134 minutos
Gênero: drama
Direção e roteiro: Dea Kulumbegashvili
Produção: Luca Guadagnino, Ilan Amouyal, David Zerat, Francesco Melzi D’Eril, Archil Gelovani, Gabriele Moratti e Alexandra Rossi
Coprodução: Sergei Yahontov
Fotografia: Arseni Khachaturan
Montagem: Jacopo Ramella Pajrin
Direção de arte: Beka Tabukashvili
Música: Matthew Herbert
Som: Zezva Pochkhidze
Desenho de som: Lars Ginzel
Elenco: Ia Sukhitashvili, Kakha Kintsurashvili, Merab Ninidze, Roza Kancheishvili, Ana Nikolava, David Beradze, Sandro Kalandadze

Não obstante a indicação da subjetividade do olhar, à audiência caberia o vislumbre da beleza e do horror aos quais a personagem de Ia Sukhitashvili encontrava-se submetida pelo fardo mesmo de sua prática médica. Obstetra e ginecologista do único centro hospitalar de atendimento a pessoas gestantes no interior da Geórgia, uma perda neonatal desencadearia intenso escrutínio em que punida visava-se ser, contudo, a atividade paralelamente desempenhada por Nina. Pungente, Abril (título original: April, 2024) propõe visão interior aos dilemas enfrentados por profissionais e por pacientes na consecução do direito ao aborto e à notícia do recurso ao procedimento, conferindo à decadência moral impingida por perverso, pois masculinista, juízo aplicado rostos e humanidade.

Única médica obstetra que realiza abortos em uma pequena cidade georgiana, Nina (Ia Sukhitashvili) precisa debelar o escrutínio público a esta (infratora) atividade, quando uma perda neonatal hospitalar ocorre sob a sua supervisão. Fotos: reprodução.

Em meio ao jogo de sombras operado entre distintos planos (abertos ou fechados), a forma monstruosa por vezes assumida à protagonista corporifica os patriarcais achaques estatal-societários de cerceamento das liberdades e interioriza certa solidão relativa ao descrédito profissional-amoroso forjado neste ínterim, a considerar-se produto a indisponibilidade afetiva. Se a longa duração cena a cena e a montagem quase ausente de cortes envidam para o público os atravessamentos processados em tela, a diretora-roteirista Dea Kulumbegashvili fragiliza a própria linha argumentativa ao replicar ad hominem as violências encenadas. Outrora interessante, a antipedagogia formal efetivar-se-ia melodramática ao desmobilizar alianças via reprodução dolorosa e pouco preocupada em revitimizar sobreviventes no afã confirmativo de crença já contestada.

--

--

Thainá Campos Seriz
Thainá Campos Seriz

Written by Thainá Campos Seriz

Historiadora (UFF). Pesquisa e revisão de conteúdo no Canal Preto. Escrevo sobre cinema.

No responses yet