A Substância: horror corporal de Coralie Fargeat escrutina reificação de mulheres à sanha objetificadora do patriarcado racietarista cultural em longa contundente
Título original: The Substance
Países de origem: Estados Unidos, Reino Unido e França (2024)
Duração: 140 minutos
Gênero: drama
Direção e roteiro: Coralie Fargeat
Produção: Tim Bevan, Eric Fellner e Coralie Fargeat
Fotografia: Benjamin Kracun
Montagem: Jérôme Eltabet, Valentin Feron e Coralie Fargeat
Direção de arte: Stanislas Reydellet
Efeitos especiais: Bryan Jones
Trilha sonora: Raffertie
Edição sonora: Valérie Deloof
Figurino: Emmanuelle Youchnovski
Distribuição (Brasil): MUBI e Imagem Filmes
Elenco: Demi Moore, Margaret Qualley, Dennis Quaid, Phillip Schurer
A alguém com brilho pessoal refletido no nome, o passado de sacrifícios encontraria em globos dourados e em estrelas de calçamentos urbanos a glória eterna. Prometida, contudo, a eternidade da fama costuma chegar ao fim e, uma vez suscetível à ação de ranhuras e de intempéries, o tempo do crepúsculo de um wilderiano (1950) Olimpo transcorre implacável. De clássicas a contemporâneas, as referências empregadas por Coralie Fargeat em A Substância (título original: The Substance) (MUBI e Imagem Filmes, 2024) bem-articulam entre motivos visuais e sonoros a decadência físico-psíquica de Elisabeth Sparkle (Demi Moore) à obsessão.
Os planos zenitais e a profundidade de campo ampliada estabelecem a parafílica vigilância sob a qual a grande estrela seria antes odiada no amor pretensamente público construído de décadas de atuação televisiva. Porque julgada em demasiado envelhecida para a liderança do longevo programa matinal, o racietarismo misógino de distintos agentes culturais deforma no abuso de grandes angulares a violência estrutural operada na carnificina a outros corpos. Assim exagerada, a luta travada pelo direito ao espólio da liberalidade patriarcal parece desvelar a agência, ou a passividade, de mulheres brancas no continuísmo do status quo cuja perpetuação fá-las vis representantes do supremacismo bajulador de evocáveis silêncios.
Perseguida à visualidade de (lanthimosianos) tracking shots e à claustrofobia fragmentária de hiperfocos, quando não de ângulos baixos, a cronenbergiana adesão da personagem de Demi Moore ao programa de rejuvenescimento título do filme com vistas à relevância midiática permanente ativaria a jornada final da prestigiosa apresentadora. Polanskiana (1979), à confissão do desejo além-humano, pois quase sexual, de juventude seguir-se-ia a passagem a mutilações que, corpóreas, metonimizariam os fóbicos achaques da sanha objetificadora sexista às mulheridades. Porquanto seduzida ao apelo da fama e aos privilégios do estrelato, a congênere Sue (Margaret Qualley) estressaria a latente fissura dissociativa experienciada por Sparkle no rompimento cabal de sua unidade egoica à infantilização do patriarcado e, com sangue, abjetaria (ver sentido de Creed, 1993) o triunfo da inutilidade adulto-juvenil sobre a hecatombe da matriz.
Descartável a qualquer não brilhante sorriso aos assédios e às humilhações impostos, a queda a uma literal monstruosidade faz-se climática ao sanguinolento horror de palmiano (1976) de punição à fuga ao padrão (feminino) hegemônico. Apoteótica, a dissolução da história e da vida de mulheres à própria estrela é conseguinte à vitória do projeto de domínio masculinista, sendo o ostracismo vivido em uma existência anomalia de produção sistêmica. O convite de Fargeat de não sucumbir às injunções femistas de agradabilidade estende-se à ruptura com formas alternativas de opressão às diferenças e, a tamanho esforço, o chamado realiza-se urgente.