A Sociedade da Neve: a revisitação de tragédias históricas deve ir além do mero resgate de suas origens

Thainá Campos Seriz
3 min readJan 10, 2024

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Pôster promocional de “A Sociedade da Neve” (título original: “La Sociedad de la Nieve”), filme com direção de Juan Antonio Bayona sobra a tragédia aérea de 1972. Foto: reprodução.

Título original: La Sociedad de la Nieve
Países de origem: Espanha, Uruguai e Chile (2023)
Duração: 145 minutos
Gênero: aventura; biografia; drama
Direção: Juan Antonio (J.A.) Bayona
Roteiro: Bernat Vilaplana, Jaime Marques, Nicolás Casariego e J. A. Bayona
Obra original: Pablo Vierci
Produção: Belén Atienza, Sandra Hermida e J.A. Bayona
Direção de fotografia: Pedro Luque
Montagem: Jaume Martí
Trilha sonora: Michael Giacchino
Distribuição (Brasil): Netflix
Elenco: Enzo Vogrincic Roldán, Simón Hempe, Matías Recalt, Agustín Pardella, Tomas Wolf

Algumas tragédias afiguram-se mais engatilhadoras que eventuais congêneres, em especial, quando muito se lhes observa por dentro. Dores e abismos abertos retornam o olhar, e repisá-los pode ser, ao contrário do efeito desejado, retraumatizador. Adaptação cinematográfica do volume de título homônimo (Pablo Vierci, 2010), A Sociedade da Neve (título original: La Sociedad de la Nieve; título em inglês: Society of the Snow) recria com hiper-realismo a queda do voo 571 da Força Aérea Uruguaia na Cordilheira dos Andes (13/10/1972), então fretado para conduzir uma equipe de rúgbi do país ao Chile. Entre tripulantes, passageiros e 29 sobreviventes iniciais, apenas 16 pessoas foram resgatadas com vida após 71 dias insuladas no inóspito coração da montanha gelada. Se a insistência em planos abertos, sobretudo zenitais, bem-consegue destacar a beleza do entorno, o contraste aí estabelecido reafirma, entretanto, o desenlace da luta pela sobrevivência e de dilemas associados em cenário igualmente hostil.

Enzo Vogrincic Roldán é Numa Turcatti, um dos passageiros do voo 571 cuja vida terminaria ceifada entre a espera do resgate chegado apenas após 71 dias da queda nos Andes. Foto: reprodução.

Em meio a escolhas extremas, todas motivadas, os dramas de cada personagem recebem retrato empático e atento às biografias individuais, porque devidamente nomeadas o estão. Vocalizadas, as trajetórias em tela são apresentadas a partir de uma narração em voice over central (Enzo Vogrincic Roldán), todavia, intrusa a uma proximidade tentada e antes pertencente à audiência, afugentando qualquer capacidade alternativa de compreensão dos fatos como relatados. Por outro lado, enquanto o esforço coletivo realizado à subsistência e ao bem-estar do grupo tem sua presumida importância salientada, a incessante repetição da tese torna a narrativa ruminante e, a certo ponto, inconclusiva sobre propósitos diversos de uma pornografia do sofrimento. O momento de nova e, desta vez, autocentrada memória do desastre não poderia ser mais oportuno, dado o assédio neoliberal de idiotização (pró-individualismo) vigente, mas uma vez dispostos à visita renovada, traumas históricos precisam reelaborar algo ainda além das circunstâncias de origem.

Com direção de Juan Antonio (J. A.) Bayona e roteiro de Bernat Vilaplana, de Jaime Marques, de Nicolás Casariego e de J. A. Bayona, o representante espanhol nos Oscars 2024 La Sociedad de la Nieve já pode ser conferido na Netflix.

A imagem à esquerda dá conta da recriação hiper-realista realizada pelo A Sociedade da Neve de J. A. Bayona. À direita, registro em foto do evento como ocorrido em 1972. Fotos: reprodução.

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Thainá Campos Seriz
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Written by Thainá Campos Seriz

Historiadora (UFF). Pesquisa e revisão de conteúdo no Canal Preto. Escrevo sobre cinema.

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