A Metade de Nós: pais buscam filho perdido à vida em longa comovente de Flavio Botelho

Thainá Campos Seriz
3 min readMay 30, 2024

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Pôster promocional de “A Metade de Nós” (2023) (Pandora Filmes, 2024), longa dirigido por Flavio Botelho e roteirizado por Bruno H. Castro, por Daniela Capelato e por Flavio Botelho. Foto: reprodução.

Título: A Metade de Nós
País de origem: Brasil (2023)
Duração: 89 minutos
Gênero: drama
Direção: Flavio Botelho
Roteiro: Bruno H. Castro, Daniela Capelato e Flavio Botelho
Produção: Caio Gullane, Claudia Büschel, Fabiano Gullane e Flavio Botelho
Fotografia: Leo Resende Ferreira
Montagem: Tina Hardy
Trilha sonora: Edson Secco
Direção de arte: Marcos Pedroso
Figurino: Anne Cerutti
Desenho de som: Rubén Valdes
Distribuição: Pandora Filmes
Elenco: Denise Weinberg, Cacá Amaral, Kelner Macêdo, Clarice Niskier, Henrique Schafer, Justine Otondo

No documentário Para Os Que Ficam (dir.: Susanna Lira, 2023), a psicóloga especialista em Suicidologia Karina Fukumitsu conceitua como sobreviventes enlutados aqueles e aquelas cujas pessoas amadas levaram a vida a termo. No afã de ver reconhecida uma inominável dor, o poder uma vez concedido à personagem de Cacá Amaral de autodefinir-se sob o luto tê-la-ia acolhido e a companheira de décadas em aceno coletivo de solidariedade e de empatia por tamanha tragédia. Com notas autobiográficas, o longa brasileiro A Metade de Nós (2023) (Pandora Filmes, 2024) acompanha a dupla trajetória dos envelhecidos Carlos (Cacá Amaral) e Francisca (Denise Weinberg) na busca por respostas para o suicídio do único filho e na travessia de retorno à vida entre a vaga geracional aberta por escolha alheia.

Em cena, o casal sobrevivente Carlos (Cacá Amaral) e Francisca (Denise Weinberg). Foto: reprodução.

A insaturação das imagens em tela e a paleta em cores frias de cenários e de figurinos criam o ambiente soturno por que o entristecido casal encontra-se com o sofrimento. Ensimesmada na culpa sentida, “Fran” implode-se no próprio silêncio e, às janelas contraditoriamente fechadas da alma, uma câmera instável persegue-a no declínio obsessivo de resolução do aparente mistério a circundar um fim antinatural. Em sentido oposto, o marido refugia-se na vocalização do pesar vivido e na equidistância forjada do processo como guiado por uma agora desconhecida. Enquanto o mergulho no passado e no presente deixados de Felipe fá-lo adentrar uma experiência afetiva inovadora, a paranoia dominante à contraparte inflexiona-a a assombro quase fatal, pois não confrontado.

À passagem do tempo, contudo, os vazios vocabulares transmutam-se no franco diálogo sobre emoções enfim travado e no caminhar altivo até a cachoeira, morada da cura de águas doces. Despir-se de crenças e de certezas a este ponto da existência torna a ascensão vista ao desfecho catártica e dual, pois de semântica ambivalente. A dispensar-se sintaxe mais exata a respeito do inescrutável, Flavio Botelho entrega obra das mais comoventes do cinema contemporâneo brasileiro.

Aturdida e de maneira solitária, “Fran” (Denise Weinberg) decai em obsessão por respostas pela morte escolhida do único filho. Foto: reprodução.

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Thainá Campos Seriz
Thainá Campos Seriz

Written by Thainá Campos Seriz

Historiadora (UFF). Pesquisa e revisão de conteúdo no Canal Preto. Escrevo sobre cinema.

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