A Cor Púrpura (2023): escolhas narrativas suprimem a história e abusam com inconsistência de matéria já conhecida

Thainá Campos Seriz
3 min readFeb 8, 2024

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Pôster promocional de “A Cor Púrpura” (título original: “The Color Purple”, 2023), longa inspirado no musical e no livro (1982) de mesmo nome com direção de Blitz Bazawule e roteiro de Marcus Gardley. Foto: reprodução.

Título original: The Color Purple
País de origem: Estados Unidos (2023)
Duração: 121 minutos
Gênero: musical; drama histórico
Direção: Blitz Bazawule
Roteiro: Marcus Gardley
História original: Alice Walker (1982)
Musical: Brenda Russell, Allee Willis, Stephen Bray e Marsha Norman
Produção: Quincy Jones, Scott Sanders, Steven Spielberg e Oprah Winfrey
Direção de fotografia: Dan Laustsen
Montagem: Jon Poll
Trilha sonora: Brenda Russell, Allee Willis e Stephen Bray
Distribuição (Brasil): Warner Bros. Pictures
Elenco: Fantasia Barrino, Colman Domingo, Taraji P. Henson, Corey Hawkins, Danielle Brooks, H.E.R., Halle Bailey, Ciara

A abordagem ousada que abusou do clássico. Na inspiração da atual década para A Cor Púrpura (título original: The Color Purple) (Warner Bros. Pictures, 2023), o musical homônimo é a base da virtuosa sequência de eventos aqui descortinada. Enquanto o uso de planos alternados — detalhes, médios e abertos/paisagístico-zenitais — e de uma variante iluminação cenário a cenário combina-se a expressivas rotinas coreográficas na até bem-empreendida (re)aproximação da audiência com a história das irmãs Celine Harris-Johnson (Phylicia Mpasi e Fantasia Barrino) e Nettie Harris (Halle Bailey e Ciara) e de outras mulheres negras (Danielle Brooks, H.E.R. e Taraji P. Henson) na Geórgia segregada dos anos 1900–45, a dificuldade de revinculação do enredo a distintos avanços temporais é percebida na quebra de ritmo antes impressa pela também desequilibrada seleção de reviravoltas e de outros fatos narrativos entre uma realidade contextual inexistente. Se certa ausência justificar-se-ia ao enfoque exclusivo das relações sociais de poder intragrupo, o desprezo ao retrato conquanto parcial daquela conjuntura histórica desvincula do então regime racial estadunidense a reprodução interna de violências sistêmicas e sua respectiva agência na subjetivação de pessoas negras.

Na imagem à esquerda, as jovens irmãs Celie Harris (Phylicia Mpasi) (esquerda) e Nettie Harris (Halle Bailey) (direita). Na imagem à direita, seguem em comunhão, da esquerda para a direita, as personagens Mary “Squeak” Agnes (H.E.R.), Sofia (Danielle Brooks), Celie Haris-Johnson (Fantasia Barrino) e Shug Avery (Taraji P. Henson). Fotos: reprodução.

A crueldade reproduzidamente masculinista de Albert “Mister” Johnson (Colman Domingo) não é em qualquer medida equiparável ao exercício racista institucional, por exemplo, recaído sobre Sofia (Danielle Brooks), mas antes tributária a mesma matriz colorista e branco-masculina da organização política nacional. Neste sentido, a responsabilidade individual na subopressão sobre iguais não é, talvez ao contrário do inferido, fulanizável, sendo só melhor escrutinada à reconstrução mais efetiva das hierarquias sociorraciais como dispostas no período. Contraponto antitético já é, no entanto, a orgânica união das negras mulheridades, cuja acertada elaboração plural mostra-se sensível a biografias não obstante singularizadas a uma história de (in)formação comum, diga-se, também verificável às contrapartes masculinas. Por fim, à inconclusão de alguns arcos dramáticos importantes, sobrepõe-se o caso particular do expediente de uma canção coperformada a um grupo de trabalhadores escravizados coreografado, a considerar-se temerária a quase naturalização de um retrato deveras indignificante e inconveniente a (má) escolha.

Desenrolado sob entraves diversos, redenções incógnitas e vilanias não complexificadas, The Color Purple ainda mantém a potência das letras originais de Alice Walker (1982) em registráveis atuações agora eternizadas na tela grande com protagonismo preto incontornável. Dirigido por Blitz Bazawule e roteirizado por Marcus Gardley, o longa musical chega nesta quinta-feira, dia 8/2, aos cinemas brasileiros.

Refgistro de Celie Harris-Johnson (Fantasia Barrino) já na maturidade e, enfim, redimida pelos dramas tão cruamente atravessados em sua jornada. Foto: reprodução.

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Thainá Campos Seriz
Thainá Campos Seriz

Written by Thainá Campos Seriz

Historiadora (UFF). Pesquisa e revisão de conteúdo no Canal Preto. Escrevo sobre cinema.

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